Como estará o mundo em 100 anos?
Este foi o mote do evento "The Unknow: 100 Years From Now" que aconteceu neste começo de dezembro na Fundação Champalimaud, em Lisboa (vídeos das palestras em inglês aqui). Estive lá e compartilho o que de mais rico foi apresentado e discutido nesta viagem a um nosso provável futuro:
1- Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web:
"Da era da eletricidade à de eletrônicos e à de computadores, plataformas elevam o nível [de inovação]. Da plataforma da Internet, à plataforma daWeb e à plataforma da Open Web (onde Web pages terão código e rodarão como computadores), nossa única limitação é a imaginação. E já que o poder do cérebro humano não está mudando e computadores estão se tornando muito inteligentes, será que chegaremos ao ponto de super organismos lidarem com seres humanos como animais de estimação? Será que construiremos sistemas técnicos que irão além do sistema social?
Sair do planeta [pode ser uma opção para irmos] além das fronteiras nacionalistas. Normas e regulamentos de países me preocupam. A Web é território "nation-free"."
(Obs: E tão atual e pertinente é esta preocupação com normas e regulamentos dos países... Basta ver o que aconteceu de ontem para hoje com o WhatsApp no Brasil...)
2- Antônio Damásio, neurologista e neurocientista:
"Homeostase não é apenas a regulação inter-relacionada e organizada de moléculas, mas o sentimento e a percepção no caminho para a consciência. Medicina, psicologia e psiquiatria são extensões da homeostase."
3- Robert Horvitz, pesquisador da morte celular:
"O estudo do câncer está sendo beneficiado com o projeto do genoma humano. Até 2115, os genomas estarão entendidos e o câncer estará curado (ou curável, de acordo com a discussão que se seguiu). Mas o maior dos problemas em doenças humanas está na depressão profunda. 35% das pessoas estudadas tem doenças neurológicas e várias serão as oportunidades neste campo. Os mistérios do cérebro, da mente, serão descobertos nos próximos 100 anos.
O futuro da medicina estará na edição de genomas, na biologia sintética, nos dispositivos portáteis/vestíveis, nos nano sensores, robôs e nano robôs que circularão em nossos corpos, nos avatares, nas interfaces homem-máquina, nos cyborgs e em objetos encantados/interativos como o GlowCap. "Big data" nos levará à "medicina de precisão", individual. Nosso objetivo é uma população mais saudável, a saúde preventiva, com incentivos para resultados positivos a nível global.
O futuro está na ciência somada à tecnologia e à sabedoria humana."
4- Michel Kazatchkine, médico, advogado, diplomata e secretário na luta contra a AIDS nas Nações Unidas:
"Pode o mundo trazer um fim a epidemias? Terminá-las implicaria no término de falhas sociais, econômicas e políticas e o desafio está entre a força da lei e a saúde pública.
Mutações, migrações e adaptações são causas da sobrevivência dos micróbios. Haverá emergência e reemergência de epidemias no futuro - como no presente - e vital será identificar suas patogenias. Um ambiente saudável, um bom governo, uma economia em crescimento e uma boa educação serão essenciais para antecipar, detectar e controlar epidemias."
5- Atul Butte, especialista em informática médica e biomédica:
"Que futuro queremos? Iniciativas de medicina de precisão foram iniciadas nos Estados Unidos e na Inglaterra (bio bank). Essencial é criar a cultura do compartilhamento: bancos de dados públicos abertos + resultados compartilhados = mais inovação. O futuro está nas biotechs nascidas em garagem [assim como foi com as empresas de software no Vale do Silício]. Carmenta Bioscience é um exemplo: partiu da análise de bancos de dados públicos para o desenvolvimento de diagnóstico biocientífico.
Que futuro pode ser previsto?
- "open data" democratizará a inovação biomédica;
- a digitalização da biomedicina trará/criará novos papéis/especialidades/empresas a este campo;
- medições moleculares e de DNA serão rotineiras;
- haverão novos remédios, novos tratamentos e novas formas de aplicação de tratamentos (hoje a Uber já está entregando vacinas contra a gripe na California)
- haverá menor privacidade e menor preocupação com a privacidade;
- os estudos e as comunicações na área de saúde serão globais;
- a vigilância das infecções e epidemias também será global. Se a Africa apresenta milhões de infectados e os Estados Unidos apenas dezenas, não mais se admitirão atrasos de medidas preventivas e tratamentos a nível global.
Já de hoje é premente o financiamento do treinamento e da pesquisa biomédica, já de hoje é necessário promover cientistas para que eles se tornem empreendedores. Os métodos cientifícos atuais estão se tornando obsoletos.
A ciência evoluirá: de baseada em questões passará a ser baseada em dados, de "question-driven" a "data-driven science". O futuro estará nas crianças de hoje. Precisamos motivá-las a estudar e a analisar dados para que elas possam crescentemente criar, desenvolver e inovar no futuro."
Manuel Castells, sociólogo:
"Pensando o impensável, nosso caminho segue em direção a uma nova democracia na idade da informação.
"Como viver juntos" é o maior fundamento para a democracia e a nossa busca por instituições e governos se deve à nossa necessidade de sobreviver em ambientes hostis onde se sucedem dominações, contra-dominações e negociações. As pessoas apoiam a ideia da democracia, mas a maioria a critica porque não se sente representada pelos políticos e governos e vê "corrupção". A corrupção é a principal causa da crise do sistema político e, embora discutamos temas globalizados, as fronteiras nacionais da política se perpetuam.
Seria a Escandinávia [Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia] um exemplo de nova democracia? Política com limites, contribuições legalizadas, direito à livre expressão, legitimização de doações, medidas regulatórias, mecanismos de controle, livre imprensa, unidades anti-corrupção, consultas à população (como o orçamento participativo realizado em mais de 100 cidades brasileiras) e a Internet (que permite maior liberdade de expressão e participação da população na democracia) nos levariam a esta nova democracia? Não esqueçamos que várias pessoas querem participar politicamente, mas não o fazem porque "não acreditam"."
Helga Nowotny, ex-presidente do Conselho de Pesquisa Europeu:
"O que o futuro nos trará? Adivinhação substituída por ciência, transições no mundo exterior e interior, fronteiras mutantes no mundo humano e não humano, recombinações / reusos / novas combinações / invenções.
A liderança será temporária, auto-organizada em grupos, a ciência trará o futuro para o presente e eventos casuais continuarão acontecendo (como Fernando Pessoa nos lembra quando diz que "a natureza é partes sem um todo - só eu, porque não a fui achar, a achei")."
Padmasree Warrior, ex-CTO da Cisco e considerada uma das 100 mais importantes mulheres pela revista Forbes:
"É preciso um grande esforço para fazer as coisas sem esforço. Se formos lembrar o mundo de 50 anos atrás, as pessoas não tinham contas-correntes nem cartões de crédito. Se formos especular sobre daqui a 100 anos, poderemos pensar em:
- em transportes: veículos elétricos, autônomos e preditivos (ex: software antecipará engarrafamentos) permitirão melhor e mais segura mobilidade;
- em robótica: máquinas poderão se tornar cuidadoras, robôs agirão como assistentes em asilos de idosos e hospitais;
- na medicina: genomas estarão sequenciados antes do nascimento dos bebês, órgãos biocompatíveis serão criados em impressoras 3D usando células vivas como matéria-base, corpos estarão conectados com nano sensores e monitores, implantes na espinha reverterão paralisias, chips mapearão conexões cerebrais;
- na IoE (Internet de tudo): pessoas, dispositivos, processos e dados estarão conectados. Teremos trilhões de sensores ativos, insights baseados em dados, crowdfunding, crowdsourcing, inteligência artificial, etc.;
- na produção de alimentos: fazendas verticais alimentarão cidades, uso de sensores, drones, biotecnologia ativa;
- nas ameaças ao mundo: ataques cibernéticos, crise financeira global ou colapso de nações."
Nigel Cameron, presidente do Centro de Política de Tecnologias Emergentes:
"Tenhamos uma não-inocente perspetiva do futuro. Somos uma jovem espécie. O conhecimento vem, mas sabedoria tarda, e sabedoria é requisito primordial para a nossa evolução.
Nossas premissas são as seguintes:
- somos membros da espécie humana. A espécie humana tem e usa ferramentas. A Internet é uma ferramenta. E o "humanware" (o "artigo" humano) não é menos do que o software e o hardware. Sendo assim, tecnologia é um subconjunto da Antropologia.
Nossas hipóteses ou previsões são as seguintes:
- não está claro se a moral irá seguir a ordem da tecnologia;
- estaremos além de direitas ou esquerdas, vivenciando um modelo de distribuição não socialista;
- viveremos mais tempo;
- doenças aparecerão;
- veremos crescente relacionamento entre gerações (netos com avós);
- haverá a prevalência do social nos avanços tecnológicos (valor social, redes sociais);
- não haverá necessidade de máquinas externas para a comunicação entre mentes humanas;
- estabeleceremos comunicação com animais e seres de outras espécies;
- contínua vigilância [será determinante para a nossa segurança];
- diferentes pessoas usarão e pagarão diferentes tipos de tecnologia."
Luciano Floridi, professor de Filosofia e diretor de Pesquisa do Oxford Internet Institute:
"Somos realmente "especiais"? Devemos pensar em termos de profecia ou prevenção?
O futuro é onde o passado "acontece novamente com uma mudança", com um salto. A Era da Informação reflete um momento de maior poder, a um menor custo e com mais dispositivos conectados - e também mais dores de cabeça resultantes da aquisição, armazenamento, uso, segurança, acesso, análise, ética e custo dos dados.
Antes das tecnologias de informação e comunicação, escrevíamos. Depois passamos ao estágio de uso das tecnologias. Agora e no futuro estamos na fase da dependência. O que significa ser um ser humano numa era hiperconectada? [O que significa lidar com presentes e futuras dualidades, já que, segundo Turing, "não somos agentes desconectados, mas organismos informacionais compartilhando com agentes biológicos e construídos um ambiente informacional"?]
Nosso maior desafio é fazer com que este ambiente informacional salve o planeta, contribua para a inteligência e liberdade e nos torne mais... humanos... Porque somos especiais, sim. Somos especiais porque somos uma bela fragilidade (ou falha) da natureza.
Precisamos pensar com mais profundidade, projetar com mais qualidade e ser mais cuidadosos. Nossos problemas no futuro serão, em sua maioria, "éticos"..."
Sydney Brenner, Prêmio Nobel da Medicina em 2002:
"Nos últimos 70 anos, pesquisamos a genética, o DNA, criamos tecnologias. O futuro estará em entendermos a natureza do cérebro humano. Nosso foco deverá ser o estudo de cérebro. Temos que mudar a forma de nos ver e de ensinar."
Gerry Gilmore, astrônomo e professor de Filosofia Experimental:
"Segundo Galileu, o Universo é escrito na linguagem da Matemática. Ideias se fortalecem ao nos levarem a novos e surpreendentes progressos. E avanços científicos têm sido frutos de unificações de aparentemente diferentes assuntos - assim como Descartes fez, ao unir Álgebra e Geometria. Nosso desafio presente é a união da Física Quântica com a gravidade, hipótese da Grande Teoria Unificada. Estaríamos então nos encaminhando para "além da Ciência"?
A matéria é insignificante no Universo e há uma desconhecida forma de energia - a energia escura - que acelera a expansão do Universo (o que é, como explicá-la?).
A astronomia pode medir, deduzir, induzir, teorizar, mas não pode experimentar. Precisamos de dados."
Maria Leptin, diretora da Organização Européia de Biologia Molecular:
"Não podemos predizer progresso científico, mas especular que estaremos evoluindo no sentido de:
- determinar a aparência e o caráter humano a partir do sequenciamento do DNA;
- construir órgãos humanos em "petri dishes";
- inserir ou reinserir órgãos construidos em "petri dishes" em pacientes;
- criar novas formas de vida;
- controlar comportamentos através da manipulação de neurônios específicos."
(Obs: Curiosamente (já que é infinita a evolução das espécies e a compreensão e a criatividade humana!), a cientista comentou que o conhecimento científico seria finito, baseada na sua compreensão de "A Completa Solução de Imunologia" de Niels Jerne. Após uma observação feita por Silvio Meira, ela se auto-corrigiu e concordou que o conhecimento científico está em evolução, é infinito.)
Jorge Sampaio, ex-Presidente de Portugal:
"Democracias representativas podem estar em crise mas a política é indispensável. No futuro teremos mais competição, uma nova ordem com mais cooperação, estabilidade, regras e um novo consenso. Os dilemas serão relativos ao estado de direito, à igualdade nos direitos humanos e à proteção contra a insegurança social e o terrorismo, incluindo ataques cibernéticos. As condições humanas têm melhorado, mas não podemos ser meras testemunhas sem participação no processo político."
Sharin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003:
"No futuro, as pessoas estarão mais felizes do que agora? As distâncias [de toda sorte, incluindo as tecnológicas de país a país] serão menores [ou serão tão grandes como as de hoje]?
60 mil imigrantes estão vindo à Europa por dia, pagando mil doláres por pessoa a contrabandistas que os trazem em barcos. Cada barco com a capacidade de 30 pessoas, mas chega a embarcar 100 imigrantes e vários morrem afogados. Este é um "negócio" estimado em 9 milhões de dólares por dia. Não podemos mais falar que o que acontece em uma esquina do mundo não chega até nós, que isso não importa, porque todos sabem onde a vida é melhor e querem ter acesso às mesmas condições. Todos querem boas escolas, boas universidades.
O que [o mundo deve] fazer?
- promovam a justiça social nacional e internacional;
- aceitem imigrantes;
- combatam ideologias, promovam a coalizão para combater o ISIS. Não soltem bombas, soltem livros! Uma ideologia errada não é suprimida com bombas, mas com escolas! ISIS dá casa, salário, educação e tem um discurso recheado de mentiras para jovens revoltados, diz que o Ocidente quer acabar com o Islamismo. Bombardeios não resolvem, cada terrorista em treinamento que morre é substituído por cinco outros. Ao invés de bombardeios, se o Ocidente tivesse construído 500 escolas no Afeganistão, qual teria sido a consequência?
- permitam iranianos falarem, publiquem seus livros;
- aproximem-se, ricos e pobres, nacional e internacionalmente;
- restaurem os direitos e a dignidade humana;
- não fechem os olhos ao que acontece em Bali ou na Nigéria;
- façam suas pesquisas científicas vendo as pessoas como pessoas e não como números..."
Ziauddin Sardar, editor do jornal East West Affairs:
"O futuro é como um rio que flui em uma direção. Precisamos de uma visão [clara de] onde queremos ir. Em 20 anos, o futuro é o "presente estendido". Com mais 20 anos, o futuro passa a ser "ficção científica". Os 60 anos seguintes são o "futuro não pensado". De que tipo de futuro estamos falando? Quem se beneficia deste futuro de que estamos falando? É preciso trazer a ética para o meio desta discussão."
Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil:
"A classe política mundial está preocupada. As pessoas sentem medo e o medo os leva à agressividade. Necessárias são novas abordagens, onde haja a manutenção de valores universais e o acolhimento da pluralidade de culturas [que, por sua vez, aplicam tecnologia diferentemente].
Como ultrapassar as diferenças de interesses? Como legitimizar o processo decisório? Como as sociedades civis podem influenciar as decisões das Nações Unidas?
Duas premissas se manterão atrás de todas as questões:
- quem controla?
- para quem?
Precisamos ser e estar mais abertos para entender um futuro em que estamos todos juntos. Pertencemos à natureza e podemos imaginar o nosso futuro e trabalhar para isso. O que queremos fazer? Que novo mundo este será?"
De tudo que ouvi, crescem compreensões e perguntas:
- há muito de investigação no desenvolvimento do futuro, onde achar + trabalhar + fazer, verificando os resultados muito cuidadosamente, é prática diária. Quando se pergunta a cientistas "o que você estava tentando construir?", a resposta tem muito de visão (insights), mas também de acaso, incerteza, paciência e persistência;
- quanto de descobertas científicas é fruto de "acasos"? o que vem primeiro: problema, plataforma ou solução?
- durante todo o evento, nenhuma referência foi feita a "mercado", "lucro", "receita". Como construir "no Brasil" um ambiente financeiro "concreto" onde "biotech or software garages" desenvolvendo "tecnologias realmente disruptivas" tenham recursos suficientes para trabalharem "antes" de irem ao mercado (e sem terem de abdicar de grandes parcelas de capital acionário)?
- acreditar é o primeiro e essencial passo para fazer... Ambientes férteis onde há plena interação entre pessoas especializadas de formações diversas e de alta dedicação, confiança e inteligência ética aumentam as condições para o surgimento de invenções transformadoras e úteis à humanidade. Mudamos o mundo e o mundo nos muda. O aprendizado é contínuo e crescentemente recheado de fé, fatos e foco...
Este foi o mote do evento "The Unknow: 100 Years From Now" que aconteceu neste começo de dezembro na Fundação Champalimaud, em Lisboa (vídeos das palestras em inglês aqui). Estive lá e compartilho o que de mais rico foi apresentado e discutido nesta viagem a um nosso provável futuro:
1- Tim Berners-Lee, inventor da World Wide Web:
"Da era da eletricidade à de eletrônicos e à de computadores, plataformas elevam o nível [de inovação]. Da plataforma da Internet, à plataforma daWeb e à plataforma da Open Web (onde Web pages terão código e rodarão como computadores), nossa única limitação é a imaginação. E já que o poder do cérebro humano não está mudando e computadores estão se tornando muito inteligentes, será que chegaremos ao ponto de super organismos lidarem com seres humanos como animais de estimação? Será que construiremos sistemas técnicos que irão além do sistema social?
Sair do planeta [pode ser uma opção para irmos] além das fronteiras nacionalistas. Normas e regulamentos de países me preocupam. A Web é território "nation-free"."
(Obs: E tão atual e pertinente é esta preocupação com normas e regulamentos dos países... Basta ver o que aconteceu de ontem para hoje com o WhatsApp no Brasil...)
2- Antônio Damásio, neurologista e neurocientista:
"Homeostase não é apenas a regulação inter-relacionada e organizada de moléculas, mas o sentimento e a percepção no caminho para a consciência. Medicina, psicologia e psiquiatria são extensões da homeostase."
3- Robert Horvitz, pesquisador da morte celular:
"O estudo do câncer está sendo beneficiado com o projeto do genoma humano. Até 2115, os genomas estarão entendidos e o câncer estará curado (ou curável, de acordo com a discussão que se seguiu). Mas o maior dos problemas em doenças humanas está na depressão profunda. 35% das pessoas estudadas tem doenças neurológicas e várias serão as oportunidades neste campo. Os mistérios do cérebro, da mente, serão descobertos nos próximos 100 anos.
O futuro da medicina estará na edição de genomas, na biologia sintética, nos dispositivos portáteis/vestíveis, nos nano sensores, robôs e nano robôs que circularão em nossos corpos, nos avatares, nas interfaces homem-máquina, nos cyborgs e em objetos encantados/interativos como o GlowCap. "Big data" nos levará à "medicina de precisão", individual. Nosso objetivo é uma população mais saudável, a saúde preventiva, com incentivos para resultados positivos a nível global.
O futuro está na ciência somada à tecnologia e à sabedoria humana."
4- Michel Kazatchkine, médico, advogado, diplomata e secretário na luta contra a AIDS nas Nações Unidas:
"Pode o mundo trazer um fim a epidemias? Terminá-las implicaria no término de falhas sociais, econômicas e políticas e o desafio está entre a força da lei e a saúde pública.
Mutações, migrações e adaptações são causas da sobrevivência dos micróbios. Haverá emergência e reemergência de epidemias no futuro - como no presente - e vital será identificar suas patogenias. Um ambiente saudável, um bom governo, uma economia em crescimento e uma boa educação serão essenciais para antecipar, detectar e controlar epidemias."
5- Atul Butte, especialista em informática médica e biomédica:
"Que futuro queremos? Iniciativas de medicina de precisão foram iniciadas nos Estados Unidos e na Inglaterra (bio bank). Essencial é criar a cultura do compartilhamento: bancos de dados públicos abertos + resultados compartilhados = mais inovação. O futuro está nas biotechs nascidas em garagem [assim como foi com as empresas de software no Vale do Silício]. Carmenta Bioscience é um exemplo: partiu da análise de bancos de dados públicos para o desenvolvimento de diagnóstico biocientífico.
Que futuro pode ser previsto?
- "open data" democratizará a inovação biomédica;
- a digitalização da biomedicina trará/criará novos papéis/especialidades/empresas a este campo;
- medições moleculares e de DNA serão rotineiras;
- haverão novos remédios, novos tratamentos e novas formas de aplicação de tratamentos (hoje a Uber já está entregando vacinas contra a gripe na California)
- haverá menor privacidade e menor preocupação com a privacidade;
- os estudos e as comunicações na área de saúde serão globais;
- a vigilância das infecções e epidemias também será global. Se a Africa apresenta milhões de infectados e os Estados Unidos apenas dezenas, não mais se admitirão atrasos de medidas preventivas e tratamentos a nível global.
Já de hoje é premente o financiamento do treinamento e da pesquisa biomédica, já de hoje é necessário promover cientistas para que eles se tornem empreendedores. Os métodos cientifícos atuais estão se tornando obsoletos.
A ciência evoluirá: de baseada em questões passará a ser baseada em dados, de "question-driven" a "data-driven science". O futuro estará nas crianças de hoje. Precisamos motivá-las a estudar e a analisar dados para que elas possam crescentemente criar, desenvolver e inovar no futuro."
Manuel Castells, sociólogo:
"Pensando o impensável, nosso caminho segue em direção a uma nova democracia na idade da informação.
"Como viver juntos" é o maior fundamento para a democracia e a nossa busca por instituições e governos se deve à nossa necessidade de sobreviver em ambientes hostis onde se sucedem dominações, contra-dominações e negociações. As pessoas apoiam a ideia da democracia, mas a maioria a critica porque não se sente representada pelos políticos e governos e vê "corrupção". A corrupção é a principal causa da crise do sistema político e, embora discutamos temas globalizados, as fronteiras nacionais da política se perpetuam.
Seria a Escandinávia [Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia] um exemplo de nova democracia? Política com limites, contribuições legalizadas, direito à livre expressão, legitimização de doações, medidas regulatórias, mecanismos de controle, livre imprensa, unidades anti-corrupção, consultas à população (como o orçamento participativo realizado em mais de 100 cidades brasileiras) e a Internet (que permite maior liberdade de expressão e participação da população na democracia) nos levariam a esta nova democracia? Não esqueçamos que várias pessoas querem participar politicamente, mas não o fazem porque "não acreditam"."
Helga Nowotny, ex-presidente do Conselho de Pesquisa Europeu:
"O que o futuro nos trará? Adivinhação substituída por ciência, transições no mundo exterior e interior, fronteiras mutantes no mundo humano e não humano, recombinações / reusos / novas combinações / invenções.
A liderança será temporária, auto-organizada em grupos, a ciência trará o futuro para o presente e eventos casuais continuarão acontecendo (como Fernando Pessoa nos lembra quando diz que "a natureza é partes sem um todo - só eu, porque não a fui achar, a achei")."
Padmasree Warrior, ex-CTO da Cisco e considerada uma das 100 mais importantes mulheres pela revista Forbes:
"É preciso um grande esforço para fazer as coisas sem esforço. Se formos lembrar o mundo de 50 anos atrás, as pessoas não tinham contas-correntes nem cartões de crédito. Se formos especular sobre daqui a 100 anos, poderemos pensar em:
- em transportes: veículos elétricos, autônomos e preditivos (ex: software antecipará engarrafamentos) permitirão melhor e mais segura mobilidade;
- em robótica: máquinas poderão se tornar cuidadoras, robôs agirão como assistentes em asilos de idosos e hospitais;
- na medicina: genomas estarão sequenciados antes do nascimento dos bebês, órgãos biocompatíveis serão criados em impressoras 3D usando células vivas como matéria-base, corpos estarão conectados com nano sensores e monitores, implantes na espinha reverterão paralisias, chips mapearão conexões cerebrais;
- na IoE (Internet de tudo): pessoas, dispositivos, processos e dados estarão conectados. Teremos trilhões de sensores ativos, insights baseados em dados, crowdfunding, crowdsourcing, inteligência artificial, etc.;
- na produção de alimentos: fazendas verticais alimentarão cidades, uso de sensores, drones, biotecnologia ativa;
- nas ameaças ao mundo: ataques cibernéticos, crise financeira global ou colapso de nações."
Nigel Cameron, presidente do Centro de Política de Tecnologias Emergentes:
"Tenhamos uma não-inocente perspetiva do futuro. Somos uma jovem espécie. O conhecimento vem, mas sabedoria tarda, e sabedoria é requisito primordial para a nossa evolução.
Nossas premissas são as seguintes:
- somos membros da espécie humana. A espécie humana tem e usa ferramentas. A Internet é uma ferramenta. E o "humanware" (o "artigo" humano) não é menos do que o software e o hardware. Sendo assim, tecnologia é um subconjunto da Antropologia.
Nossas hipóteses ou previsões são as seguintes:
- não está claro se a moral irá seguir a ordem da tecnologia;
- estaremos além de direitas ou esquerdas, vivenciando um modelo de distribuição não socialista;
- viveremos mais tempo;
- doenças aparecerão;
- veremos crescente relacionamento entre gerações (netos com avós);
- haverá a prevalência do social nos avanços tecnológicos (valor social, redes sociais);
- não haverá necessidade de máquinas externas para a comunicação entre mentes humanas;
- estabeleceremos comunicação com animais e seres de outras espécies;
- contínua vigilância [será determinante para a nossa segurança];
- diferentes pessoas usarão e pagarão diferentes tipos de tecnologia."
Luciano Floridi, professor de Filosofia e diretor de Pesquisa do Oxford Internet Institute:
"Somos realmente "especiais"? Devemos pensar em termos de profecia ou prevenção?
O futuro é onde o passado "acontece novamente com uma mudança", com um salto. A Era da Informação reflete um momento de maior poder, a um menor custo e com mais dispositivos conectados - e também mais dores de cabeça resultantes da aquisição, armazenamento, uso, segurança, acesso, análise, ética e custo dos dados.
Antes das tecnologias de informação e comunicação, escrevíamos. Depois passamos ao estágio de uso das tecnologias. Agora e no futuro estamos na fase da dependência. O que significa ser um ser humano numa era hiperconectada? [O que significa lidar com presentes e futuras dualidades, já que, segundo Turing, "não somos agentes desconectados, mas organismos informacionais compartilhando com agentes biológicos e construídos um ambiente informacional"?]
Nosso maior desafio é fazer com que este ambiente informacional salve o planeta, contribua para a inteligência e liberdade e nos torne mais... humanos... Porque somos especiais, sim. Somos especiais porque somos uma bela fragilidade (ou falha) da natureza.
Precisamos pensar com mais profundidade, projetar com mais qualidade e ser mais cuidadosos. Nossos problemas no futuro serão, em sua maioria, "éticos"..."
Sydney Brenner, Prêmio Nobel da Medicina em 2002:
"Nos últimos 70 anos, pesquisamos a genética, o DNA, criamos tecnologias. O futuro estará em entendermos a natureza do cérebro humano. Nosso foco deverá ser o estudo de cérebro. Temos que mudar a forma de nos ver e de ensinar."
Gerry Gilmore, astrônomo e professor de Filosofia Experimental:
"Segundo Galileu, o Universo é escrito na linguagem da Matemática. Ideias se fortalecem ao nos levarem a novos e surpreendentes progressos. E avanços científicos têm sido frutos de unificações de aparentemente diferentes assuntos - assim como Descartes fez, ao unir Álgebra e Geometria. Nosso desafio presente é a união da Física Quântica com a gravidade, hipótese da Grande Teoria Unificada. Estaríamos então nos encaminhando para "além da Ciência"?
A matéria é insignificante no Universo e há uma desconhecida forma de energia - a energia escura - que acelera a expansão do Universo (o que é, como explicá-la?).
A astronomia pode medir, deduzir, induzir, teorizar, mas não pode experimentar. Precisamos de dados."
Maria Leptin, diretora da Organização Européia de Biologia Molecular:
"Não podemos predizer progresso científico, mas especular que estaremos evoluindo no sentido de:
- determinar a aparência e o caráter humano a partir do sequenciamento do DNA;
- construir órgãos humanos em "petri dishes";
- inserir ou reinserir órgãos construidos em "petri dishes" em pacientes;
- criar novas formas de vida;
- controlar comportamentos através da manipulação de neurônios específicos."
(Obs: Curiosamente (já que é infinita a evolução das espécies e a compreensão e a criatividade humana!), a cientista comentou que o conhecimento científico seria finito, baseada na sua compreensão de "A Completa Solução de Imunologia" de Niels Jerne. Após uma observação feita por Silvio Meira, ela se auto-corrigiu e concordou que o conhecimento científico está em evolução, é infinito.)
Jorge Sampaio, ex-Presidente de Portugal:
"Democracias representativas podem estar em crise mas a política é indispensável. No futuro teremos mais competição, uma nova ordem com mais cooperação, estabilidade, regras e um novo consenso. Os dilemas serão relativos ao estado de direito, à igualdade nos direitos humanos e à proteção contra a insegurança social e o terrorismo, incluindo ataques cibernéticos. As condições humanas têm melhorado, mas não podemos ser meras testemunhas sem participação no processo político."
Sharin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003:
"No futuro, as pessoas estarão mais felizes do que agora? As distâncias [de toda sorte, incluindo as tecnológicas de país a país] serão menores [ou serão tão grandes como as de hoje]?
60 mil imigrantes estão vindo à Europa por dia, pagando mil doláres por pessoa a contrabandistas que os trazem em barcos. Cada barco com a capacidade de 30 pessoas, mas chega a embarcar 100 imigrantes e vários morrem afogados. Este é um "negócio" estimado em 9 milhões de dólares por dia. Não podemos mais falar que o que acontece em uma esquina do mundo não chega até nós, que isso não importa, porque todos sabem onde a vida é melhor e querem ter acesso às mesmas condições. Todos querem boas escolas, boas universidades.
O que [o mundo deve] fazer?
- promovam a justiça social nacional e internacional;
- aceitem imigrantes;
- combatam ideologias, promovam a coalizão para combater o ISIS. Não soltem bombas, soltem livros! Uma ideologia errada não é suprimida com bombas, mas com escolas! ISIS dá casa, salário, educação e tem um discurso recheado de mentiras para jovens revoltados, diz que o Ocidente quer acabar com o Islamismo. Bombardeios não resolvem, cada terrorista em treinamento que morre é substituído por cinco outros. Ao invés de bombardeios, se o Ocidente tivesse construído 500 escolas no Afeganistão, qual teria sido a consequência?
- permitam iranianos falarem, publiquem seus livros;
- aproximem-se, ricos e pobres, nacional e internacionalmente;
- restaurem os direitos e a dignidade humana;
- não fechem os olhos ao que acontece em Bali ou na Nigéria;
- façam suas pesquisas científicas vendo as pessoas como pessoas e não como números..."
Ziauddin Sardar, editor do jornal East West Affairs:
"O futuro é como um rio que flui em uma direção. Precisamos de uma visão [clara de] onde queremos ir. Em 20 anos, o futuro é o "presente estendido". Com mais 20 anos, o futuro passa a ser "ficção científica". Os 60 anos seguintes são o "futuro não pensado". De que tipo de futuro estamos falando? Quem se beneficia deste futuro de que estamos falando? É preciso trazer a ética para o meio desta discussão."
Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil:
Como ultrapassar as diferenças de interesses? Como legitimizar o processo decisório? Como as sociedades civis podem influenciar as decisões das Nações Unidas?
Duas premissas se manterão atrás de todas as questões:
- quem controla?
- para quem?
Precisamos ser e estar mais abertos para entender um futuro em que estamos todos juntos. Pertencemos à natureza e podemos imaginar o nosso futuro e trabalhar para isso. O que queremos fazer? Que novo mundo este será?"
***
De tudo que ouvi, crescem compreensões e perguntas:
- há muito de investigação no desenvolvimento do futuro, onde achar + trabalhar + fazer, verificando os resultados muito cuidadosamente, é prática diária. Quando se pergunta a cientistas "o que você estava tentando construir?", a resposta tem muito de visão (insights), mas também de acaso, incerteza, paciência e persistência;
- quanto de descobertas científicas é fruto de "acasos"? o que vem primeiro: problema, plataforma ou solução?
- durante todo o evento, nenhuma referência foi feita a "mercado", "lucro", "receita". Como construir "no Brasil" um ambiente financeiro "concreto" onde "biotech or software garages" desenvolvendo "tecnologias realmente disruptivas" tenham recursos suficientes para trabalharem "antes" de irem ao mercado (e sem terem de abdicar de grandes parcelas de capital acionário)?
- acreditar é o primeiro e essencial passo para fazer... Ambientes férteis onde há plena interação entre pessoas especializadas de formações diversas e de alta dedicação, confiança e inteligência ética aumentam as condições para o surgimento de invenções transformadoras e úteis à humanidade. Mudamos o mundo e o mundo nos muda. O aprendizado é contínuo e crescentemente recheado de fé, fatos e foco...